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QUERO MORRER COM AS MÃOS CHEIAS

Era uma vez o Pipocas que tinha 5 anos e o caracoleta que tinha 7 anos.

Teresa Heitor Ferreira
Psicóloga, psicanalista e membro fundador da AP
teresaheitorferreira@gmail.com

Era uma vez o Pipocas que tinha 5 anos e o caracoleta que tinha 7 anos.

Um dia aconteceu o inevitável. Tinham quase 3 e 5 anos e tiveram que se confrontar com uma das mais duras realidades da vida humana: a morte. Antes de se aperceberem por completo do ciclo da vida animal de uma forma real, mas com alguma distância emocional, tiveram que aprender a lidar com a morte da bisavó, que apesar de contar com alguma idade e de estar doente era uma pessoa muito presente nas suas vidas.

Para o Pipocas, o desaparecimento foi constatado, mas não foi muito vivenciado: a sua idade muito precoce não lhe permitia sequer pensar o sucedido. Para o caracoleta, foi confuso – era difícil aceitar as razões que lhe pareciam gratuitas para tal acontecimento; era difícil aceitar o perpétuo da morte; era difícil aceitar que a mãe, enorme dentro dele e capaz de resolver todos os problemas, não pudesse mudar o destino; era difícil pensar que um dia também a mãe iria deixá-lo e que ele próprio teria uma vida finita. Tudo questões que angustiaram e causaram sofrimento ao caracoleta.

Passados 3 anos, o processo de luto foi-se fazendo e a aprendizagem do processo da vida também.

A angústia foi-se transformando numa realidade de fundo neurótico comum a todos nós e o pipocas foi observando com o caracoleta como funciona este percurso.

Um dia, enquanto lanchavam numa esplanada, com o sol a brilhar entre a copa das árvores, o caracoleta com um olhar longínquo diz à mãe: “- Quando morrer, quero morrer com as mãos cheias!”

A mãe sorriu e disse: “- Estás crescido, sim a morte é inevitável, mas o mais importante é o que está ao nosso alcance – viver intensamente sem nunca esquecer o prazer e rodearmonos das pessoas de quem gostamos. Assim, quando tivermos que ir, vamos de mãos e de barriga cheias.”

“-Pois é”, disse o Caracoleta, “Já acabei, vou para o escorrega”. Passados alguns dias, foi a vez do pipocas. Enquanto jogavam à bola no terraço, o menino matou, acidentalmente, uma abelha. Ficou aflito, porque sempre lhe tinham dito que se devia proteger a natureza, tarefa que ele punha em prática diariamente, e na escola ele saía ferozmente em defesa das formigas, quando algum menino ousava perseguir o minúsculo animal inofensivo.

O pai disse: “- Aconteceu, foi um acidente, agora vamos enterrar a abelha aqui na terra, ela vai-se transformar em terra e depois nasce uma flor”. Pareceu-lhe bem, era um fim inevitável, mas bonito para a pequena abelha.

Ao fim da tarde, enquanto a mãe lhe dava banho, contou o sucedido. A mãe aproveitou o contexto e disse-lhe: “- Sabes, isso também acontece com as pessoas: vão para a terra, transformam-se em terra e nascem depois flores bonitas. O sítio onde estão essas pessoas chama-se Cemitério”.

“ – Já ouvi falar” diz o Pipocas. “- Então a avó também é uma flor e o marido dela também” “ –

Sim, um dia destes vou-te mostrar o sítio onde estão as pessoas quando morrem, em por cima da terra está uma pedra com uma fotografia com o nome delas e flores”, diz a mãe.

“- Quero ir ver a casa da avó”, diz o pipocas. “-

Sim iremos”, diz a mãe.

Mais tarde, durante o jantar, o pipocas diz ao pai: “- Ouvi dizer que aquela história das abelhas também é assim para as pessoas”. O pai engoliu em seco, porque tinha sido apanhado. Não tinha tido coragem de contar a história até ao fim.