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O tempo de qualidade na parentalidade
Neste artigo retratamos o Tempo de Relação como constructo da saúde mental. Refetimos sobre tempo psicológico/tempo real como promotores do desenvolvimento da criança.
Abordamos alguns retratos da parentalidade nesta relação com o Tempo, o Ser e o Estar. Descrevemos, ainda, a forma como a sociedade atual é pouco promotora do Tempo de Relação. Frases que dizemos e ouvimos todos os dias, porque afnal temos um tempo, um prazo real que se vai esgotando e alimentando a nossa neurose – a angústia de morte.
Teresa Heitor Ferreira
Psicóloga, psicanalista e membro fundador da AP
teresaheitorferreira@gmail.com
Dar tempo aos afetos é construir as asas dos sonhos de Futuro.
“Não tenho tempo.” “Quanto tempo tenho?” “Não tenho mais tempo…” “O tempo não chega.” “Já acabou o tempo.”
Mas a questão ainda se complica mais quando parece que concetualizamos o tempo com o valor do ouro, mas o tratamos na prática como se de plástico descartável se tratasse.
Na relação parental, ouvimos algumas vezes dizer que o que importa é o tempo de qualidade, mas não é assim!
É verdade que a importância da qualidade do tempo está diretamente relacionada com a qualidade da relação, com a escuta atenta, com a capacidade empática com o outro, com a vivência de experiências em comum que vão fazer parte do universo da memória afetiva de alguém. Todavia, sem tempo físico, é difícil construir a relação, a qual provavelmente será pincelada por esta ou aquela experiência de relação positiva, mas sem um constructo consistente de identidade e de capacidade relacional.
Como diz Winnicott (1988) “a base de todas as teorias sobre o desenvolvimento da personalidade humana é a continuidade, a linha da vida, que provavelmente tem início antes do nascimento concreto do bebé; continuidade em que está implícita a ideia de que nada daquilo que faz parte da experiência do indivíduo se perde ou pode jamais vir a perder-se para este indivíduo…” Assim, o tempo de relação fca inscrito para sempre em nós, sendo desejável que o mesmo seja contínuo e de qualidade em nome da saúde mental.
A construção e alimentação das emoções das nossas crianças só acontece com tempo real.
Diz Bernard Golse (2007) que “a criança verifca muito cedo ser competente para descodifcar as modalidades do estilo interativo do adulto que dela cuida, ou seja, o estilo relacional do objeto primário assim como as suas variações, graças à sua capacidade para inscrever na psique uma espécie de médias de todas as experiências interativas prévias, e será à luz dessa média que ela “medirá” a eventual distância da nova sequência interativa por ela vivida”. Ou seja, se as crianças forem expostas a um padrão constante de qualidade, mas intermitente temporalmente, assimilam internamente um padrão de descontinuidade “positiva”. Quero com isto dizer que, havendo experiências relacionais “boas”, de qualidade, na vida destes indivíduos, o sentimento de insegurança, de inconstância e de imprevisibilidade vai matizando o seu psiquismo. É da minha experiência clínica, o caso de alguns deprimidos que toda a sua vida buscam emoções que conhecem e viveram com prazer e inconstância perseguindo para sempre o “bom” conhecido, mas com um sentimento recorrente da inalcançável consistência e com o fantasma da perda e do abandono.
É também comum assistirmos a cuidadores que têm de facto muito tempo real com a criança, mas não têm tempo psicológico para investir nesta relação. É, como vemos tantas vezes, o caso das mães deprimidas.
Será então a junção da qualidade do tempo psicológico do cuidador da criança versus disponibilidade do tempo real do mesmo que promove a verdadeira relação de qualidade como herança perpétua na saúde mental da criança.
Sabemos todos o valor do tempo, mas subvalorizamo-lo frequentemente quando no dia-a-dia a “culpa” de não estar lá nos faz camufar o real valor deste.
O tempo de relação não está na moda. É oposto à tendência social que vivemos, na qual temos muito mais para dizer e para mostrar do que para ouvir, observar, sentir, entrar em relação. Como descreveu Gilles Lipovetsky (1989) na “Era do vazio”, numa sociedade capitalista, predominantemente narcísica, a nossa identidade afrma-se por aquilo que fazemos e que consumimos.
Muitas vezes, a ambivalência deixa-nos tolhidos por essa culpa que não suportamos, e é aqui que passamos a acreditar que o tempo é um plástico descartável e que recuperamos os estragos no ambiente das nossas relações de afeto noutro tempo mais à frente. Não é sempre assim. Há experiências relacionais que ocorrem só naquele momento na linha do tempo. A recuperação do tempo do passado é como um penso numa ferida onde a pele psíquica não terá a mesma textura de uma experiência vivida no tempo real. Será por exemplo o caso do processo psicoterapêutico, o qual cura, mas sempre assente sobre a cicatriz daquilo que foi vivido lá atrás, em tempo real.
Quanto mais pequenas são as crianças mais esta urgência temporal é uma realidade. As experiências relacionais desadequadas têm, nesta fase, a capacidade de, em tempo real muito curto, fazer estragos irreversíveis no psiquismo. Todos sabemos que, o ritmo de tempo na vida de um bebé tem equivalência a vários anos de vida de um adulto, este último num tempo mais lento e menos urgente na formação de uma personalidade. Mas a ambivalência está no facto de, por outro lado, nos aproximarmos mais do fm do nosso tempo – da morte. Como se passássemos a estar cada vez mais atentos ao nosso próprio relógio de areia.
Oscilamos entre a importância que damos ao tempo na construção dos afetos das nossas crianças e o querer ser. Ser pessoa inteira no mundo, desenvolver a nossa individualidade, as nossas capacidades, projetar talvez aquilo que recebemos e que damos no exercício da parentalidade num sonho de nos revermos no mundo.
Os pais lutam, muitas vezes, nos seus ritmos desenfreados de uma vida que lhes exige compromisso atrás de compromisso e que lhes vai tirando o tempo para viver, para sentir, para construir o que fca nos outros, nos flhos, quando o tempo físico se esgota numa vida às vezes cheia de objetivos funcionais cumpridos, os quais alimentaram a sua autoestima, o seu ego, onde se completa o seu narcisismo mas onde não tiveram tempo para dar espaço, estar e fcar inscrito na construção do outro, naquilo que lhes dá a identidade humana, o prazer de estar com o outro, a empatia, o amor. Essa lamechice, que às vezes nos inibe e parece tornar-nos menores, básicos. Mas é a experiência do básico que nos constrói as asas que nos fazem sonhar, sonhar ou como diria o Buzz Lightyear, no Filme “Toy Story”: “Para o infnito e mais além!”.
REFERÊNCIAS
Golse, B. (2007). O Ser-bebé. Lisboa: Climepsi
Lipovetsky, G., (1989). A Era do Vazio. Lisboa: Relógio de água
Winnicott, D. (1988). Os bebés e as suas mães. São Paulo: Martins Fontes.
TITLE
Quality time in parenthood
ABSTRACT
In this article, we picture Relationship Time as a builder of mental health. We refect upon psychological time/real time as promoters of child development. We approach some parenthood portraits of this relation with Time and Being. Furthermore, we shall describe the way in which contemporary society seldom stimulates Relationship Time. Key words: Time, Relationship, Attachment. Parenthood, Development.
Revista Portuguesa de Psicanálise e Psicoterapia Psicanalítica, 2018
Número 9 DEZEMBRO 2018