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O Meu Filho é Mentiroso – A verdade dos afectos para além da ética

Era uma vez um menino que gostava de inventar histórias. O Gonçalo tinha 6 anos e era um conversador. Todas as manhãs, durante a breve viagem até à escola, ele inventava histórias que de reais tinham muito pouco, mas de imaginativas tinham muito. A tia ou o avô compactuavam com a sua imaginação e acrescentavam dados às suas histórias fantasiosas, ele sorria e consentia que também participassem no jogo do faz-de-conta.

Teresa Heitor Ferreira
Psicóloga, psicanalista e membro fundador da AP
teresaheitorferreira@gmail.com

Um dia, depois da escola, contou ao pai que tinha jogado futebol e que todos tinham elogiado a sua exibição, contou também que o António, o craque da equipa, tinha feito um péssimo jogo e que o Rafael, o desordeiro, tinha sido expulso com um cartão vermelho. Quando o pai percebeu que nada daquela história correspondia à realidade, zangou-se: “- Ó Gonçalo, já te disse que não gosto de meninos mentirosos. É feio ser mentiroso, eu não vou gostar menos de ti por marcares menos golos.”

O Gonçalo saiu da sala a correr, furioso com o pai. “- Chamaste-me nomes, nunca mais falo contigo”. E foi para o quarto, apontou num papel uma cara triste na avaliação do pai –  – e guardou-o religiosamente na gaveta da mesa de cabeceira.

Noutro dia, numa viagem em família, confrontei-o com as invenções que ele contava à tia nas viagens para a escola; ele ficou magoado comigo e, envergonhado, tapou a cara com o guardanapo e recusou-se a comer.

Outra vez ainda, esqueceu-se da promessa que tinha feito ao irmão quanto à partilha de um brinquedo, e foi imediatamente apelidado de mentiroso.

Achei que estava na hora de repor a verdade sobre o que é afinal a mentira, para além de um nome feio ou de um rótulo de mau comportamento.

“ – Meninos, preciso de vos dizer uma coisa sobre a mentira.”

Ficaram interessados e sentaram-se a ouvir o que eu tinha para dizer sobre aquele conceito tão popular que andava constantemente na boca de toda a gente.

Continuei então. “ – Sabem que nem tudo o que não é realidade é mentira”.

“ – Não?”, disseram admirados.

“ – Não. Às vezes, treinamos a nossa criatividade, inventando pequenas historietas na nossa cabeça… uma engraçada… outras fantasiosas… outras em que somos heróis… brincamos ao faz-de-conta.”

“- Acho que eu e a titi, às vezes, fazemos isso, quando andamos de carro”, diz o Gonçalo.

“ – Também há coisas que prometemos e de que nos esquecemos, porque estamos cansados, por exemplo, e acabamos por não cumprir. Fomos pouco cuidadosos, pouco atentos, mas não mentimos de propósito para prejudicar outra pessoa.”

“ – Como o Gonçalo tinha dito que me emprestava hoje a playstation?”

“ – Sim. Outras vezes a realidade não é a mais agradável para nós e o nosso desejo faz-nos construir um cenário no qual somos mais competentes e capazes, como o Gonçalo fez no dia em que desejava tanto agradar ao pai sendo o melhor jogador, que inventou uma realidade só sua, na qual ele era o melhor jogador.

Também não era uma mentira deliberada; era só um desejo muito forte de ser valorizado por uma das pessoas que ele mais gosta no mundo.

“ – Mas o pai chamou-me mentiroso”, disse o Gonçalo.

“ – Pois… o que te deixou triste foi que tu só quiseste agradar-lhe e ele acusou-te da tua história não ser real, o que talvez fosse, neste caso, o menos importante, e isso pareceu-te muito injusto.”

“ – Pois…”

Mentir a sério é acusar injustamente outras pessoas, é prejudicá-las de propósito. Sonhar, ter esquecimentos ou ter desejos não é mentir.